Por Isaías Dalle
Desde suas primeiras celebrações registradas pela historiografia, o 1º de Maio é uma data de luta e reivindicação, mais do que festa. No Brasil de 2022, o Dia dos Trabalhadores e das Trabalhadoras não enseja comemorações. Desemprego em alta, direitos trabalhistas em extinção e ganhos insuficientes se somam ao quadro de desmonte das redes de proteção social em áreas como saúde e educação. O que não faltam são motivos de sofrimento e insatisfação.
Um sinal evidente dessa soma negativa é que mais da metade das famílias brasileiras (50,7%) está na linha da pobreza ou extrema pobreza, segundo pesquisa recente feita pela Tendências Consultoria. A população que depende da força de trabalho agoniza e teme pelo futuro.
Emprego e renda são linhas-mestras da busca por justiça social e oportunidades em qualquer país. No Brasil atual, a necessidade pura e simples de criar vagas de trabalho assalariado torna-se a principal bandeira do 1° de Maio.
Pelos dados do IBGE, mais de 11% dos brasileiros em idade ativa estão desempregados, o que ultrapassa 12 milhões de pessoas. Essa taxa varia nas diferentes regiões. No Distrito Federal, por exemplo, o desemprego bate em 17% da população. Quem aparece nessas estatísticas são aqueles que ainda preenchem fichas atrás de uma vaga. Mas há outros em dificuldades.
Desalentados, aqueles que já desistiram de procurar emprego formal, são mais de 4 milhões e 700 mil. As pessoas subocupadas, que gostariam de trabalhar e não conseguem, passam de 15 milhões. Em sua maioria, essas pessoas estão vivendo dos chamados bicos. Os números do IBGE referem-se ao mês de fevereiro.
Entre as pessoas que têm salários, com carteira assinada ou não, o poder de compra está achatado e só diminui, frente à inflação. O salário médio do conjunto dos setores econômicos, no primeiro trimestre, foi de R$ 1.387, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). O valor está muito próximo do salário mínimo em vigor, de R$ 1.212. Já a inflação, no acumulado de um ano, registrado em abril, bateu em 12,03%. Isso faz o preço da cesta básica custar 58,6% do salário mínimo, em média, no mês de março. Na cidade de São Paulo, que tem a cesta mais cara do Brasil, essa relação é de 68% do salário mínimo.
A luta do povo exige esperança, além da denúncia das mazelas. Por isso, o movimento sindical brasileiro quer usar o 1° de Maio para apresentar propostas para enfrentar esse desafio, sob o tema Emprego, Direitos e Democracia.
As reivindicações estão condensadas na pauta apresentada por nove centrais sindicais durante a Conferência das Classes Trabalhadoras 2022 (Conclat), realizada no final de abril. Todas as propostas estão relacionadas em alguma medida à geração de emprego e renda. Porém, nem todas são de efeito imediato. Por isso, entre as reivindicações, há a criação de programas de “imediata geração de emprego de qualidade”.
Uma das medidas para isso seria a retomada de “milhares” de obras públicas paralisadas em diversas áreas, com a contratação de trabalhadores e trabalhadoras, garantia de salário mínimo e de direitos sociais. “Seriam empregos gerados pelo setor público, de interesse público, com contratos temporários. Isso trará ocupação para os desempregados, enquanto a economia não se recuperar e dinamizar o mercado de trabalho”, explica Clemente Ganz Lúcio, coordenador do Fórum Nacional das Centrais Sindicais.
O presidente da CUT, Sérgio Nobre, destaca que o Estado tem outros mecanismos de intervenção em caráter emergencial. “Propomos, além da implementação de projetos de investimentos já aprovados, a mobilização de recursos para pequenas obras e serviços urbanos, como limpeza urbana e cuidados ambientais, manutenção de unidades de saúde e escolas, retomada ou início de projetos de saneamento básico”, aponta. O poder de compra do governo federal é outra ferramenta que deve voltar à cena, defende o sindicalista.
As ideias estão em sintonia com a proposta emergencial apresentada pelo Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil, da Fundação Perseu Abramo. Assim como as centrais sindicais, as propostas de geração de trabalho contidas no plano apontam para o suprimento de carências urgentes na infraestrutura das cidades como nicho de oportunidades.
O diagnóstico dos problemas e o início das operações devem ser orientados em perspectiva regional, a partir dos territórios. Os municípios e seus bairros, especialmente as periferias, seriam o ponto de partida dos investimentos. Esses investimentos devem ser acompanhados pelo estímulo à economia solidária e a pequenas e médias empresas. Esses empreendimentos se tornariam fornecedores das cadeias produtivas que surgirem, gerando desenvolvimento local.
Paralelamente a um programa emergencial de criação de empregos, as centrais sindicais reivindicam outras medidas mais amplas e estruturantes para o mercado de trabalho. Algumas delas são uma política de incentivo à pesquisa e modernização da indústria, o reposicionamento das empresas públicas como carros-chefes de grandes projetos e o empoderamento da agricultura familiar no desafio do combate à fome. Investimentos na transição para um modelo produtivo com baixo uso de combustíveis fósseis, além de uma necessidade, é encarada como outra janela de oportunidades.
No curto prazo, entretanto, a ação rápida do poder público como contratante de mão de obra é essencial para combater o desemprego. Mas nem mesmo a geração imediata de postos de trabalho será rápida o bastante para amenizar os efeitos acumulados no longo período de empobrecimento das famílias.
Por isso, também em caráter emergencial, as centrais defendem a renegociação de dívidas, especialmente as do sistema financeiro habitacional, em processo capitaneado pelo governo federal. Renegociação é mais do que simplesmente liberar verbas do FGTS para quitar débitos. Essa opção, feita pelo atual governo, despe um santo para vestir outro, gerando novo problema no médio e longo pra- zo. Esvazia um fundo público e não oferece saída estruturada para os mutuários.
E, assim como nos primórdios do 1º de Maio, a redução da jornada de trabalho surge firme entre as bandeiras deste ano. A medida também pode ser encarada como emergencial, uma vez que se prevê o surgimento de novas vagas em substituição às extenuantes jornadas. Mas envolve outros atores sociais e pode demorar mais do que o desejado.
O mesmo ocorrerá na elaboração de nova legislação trabalhista e sindical, que substituiria as regras da contrarreforma de 2017.
Menina dos olhos do movimento sindical, a nova legislação deve demandar tempo e negociação entre governo e representantes dos trabalhadores e dos empresários. Como ocorreu na Espanha, cuja reforma, que inspira o movimento sindical brasileiro, foi aprovada neste ano.
Pela reforma, graves problemas no mercado de trabalho, como a informalidade e falta de proteção social, que é avassaladora em casos como os de entregadores por aplicativos, podem ser superados, na opinião das centrais. As entidades querem também retomar protagonismo no processo de mediação. O enfraquecimento dos sindicatos, reflexo da contrarreforma de Michel Temer e do desmantelamento do mercado de trabalho, é um desamparo. Apenas 14% das negociações salariais coletivas conquistaram aumento real – acima da inflação – em março.
Outro ponto de consenso do movimento sindical brasileiro é a necessidade de um novo governo federal a partir de 2023. As nove entidades signatárias da pauta explicitam que Bolsonaro precisa sair. As propostas foram entregues ao ex-presidente Lula e seu candidato a vice, Geraldo Alckmin. Ciro Gomes também a recebeu, pelas mãos da CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros).
Nem mesmo o fascismo original ousou dar as costas ao movimento sindical e trabalhista, como fez Bolsonaro. Já Lula, batizado politicamente no sindicalismo, garantiu que vai governar com ouvidos atentos às demandas trabalhistas, caso eleito. Escuta e negociação, como inegavelmente fez em seus dois mandatos presidenciais. Oxalá o 1o de Maio 2022, assim como o Carnaval deste ano, seja prenúncio de renascimento.
* Artigo publicado originalmente na edição de 29 de abril da revista Focus Brasil.
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